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Economia
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Por Redação
13 de fevereiro de 2025

Como o governo de Donald Trump deve impactar a economia brasileira?

Taxação de produtos produzidos na China e fortalecimento da produção interna devem afetar agronegócio e varejo alimentar, segundo especialista

Com estratégias protecionistas e ações de retaliação desde que assumiu a Casa Branca, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump quer aumentar ainda mais o poder do país e fortalecer a política econômica. Aumento de taxações, barreiras alfandegárias e dificuldades de exportação são algumas das dificuldades que muitos países devem enfrentar, pelo menos no início de seu mandato, e o Brasil está longe de ser um parceiro comercial desejável nesse momento.

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Em entrevista ao portal SuperVarejo, Ulysses Reis, coordenador de Gestão de Varejo e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), comenta os impactos da gestão Trump na economia brasileira:

SuperVarejo: Como a taxação adicional de 10% sobre produtos chineses pode impactar a economia brasileira?

Ulysses Reis: A guerra comercial entre Estados Unidos e a China fortalece o protecionismo global, o que tende a prejudicar a economia mundial. Estamos entrando em um momento da economia mundial em que a globalização está perdendo espaço para o protecionismo dos países. Tradicionalmente isso não é bom, uma vez que o desenvolvimento econômico, tecnológico e social das nações sempre esteve ligado à abertura dos mercados. Quanto mais fechado é um país, quanto mais protecionista ele é, menos competitivo ele se torna. No entanto, o Brasil pode se beneficiar ao suprir a demanda chinesa por insumos agrícolas, ganhando espaço no mercado de exportação.

SV: O Brasil deve temer novas sanções ou leis que afetem sua economia?

UR: Estamos entrando em uma nova fase mundial, marcada pelo protecionismo, pela redução da globalização e por disputas tarifárias. Embora muitas decisões pareçam concentradas em líderes específicos, há um contexto global por trás dessas mudanças. A França, por exemplo, busca proteger sua produção agrícola, impondo sobretaxas às exportações brasileiras. Além disso, há uma guerra de negociação em curso, e, em algum momento, Estados Unidos, China e outros países precisarão chegar a acordos, pois todos perdem com essas restrições. Até lá, enfrentaremos disputas de preços, barreiras alfandegárias e instabilidade econômica.

SV: Qual a importância do Brasil como parceiro comercial dos norte-americanos?

UR: O Brasil, apesar de sua força no agronegócio, ainda não é um parceiro comercial competitivo. O país mantém um alto grau de protecionismo, burocracia e deficiências técnicas, especialmente na adoção de novas tecnologias. Um exemplo é o blockchain da produção, que deve se tornar um padrão internacional, mas o Brasil ainda está distante de implementá-lo, o que limita seu acesso a mercados como EUA, Japão e Europa. Além disso, sanções contra o Brasil são possíveis, dado o alinhamento do governo brasileiro com países que os EUA consideram adversários, como Irã e Cuba. Historicamente, os norte-americanos usam sanções e embargos econômicos para pressionar nações que não seguem seus interesses. Embora um embargo ao Brasil seja improvável, essa relação pode dificultar negociações comerciais. Outros países, como a Argentina, têm adotado posturas mais alinhadas aos Estados Unidos, tornando-se parceiros comerciais mais estratégicos. Isso pode criar novos obstáculos para as exportações brasileiras, impactando a economia. Apesar de o Brasil não ter um grande peso na economia dos EUA, os norte-americanos são o segundo maior destino das exportações brasileiras. Além disso, o Brasil depende dos EUA para tecnologia, softwares e eletrônicos. Ou seja, eventuais restrições seriam mais prejudiciais para o Brasil do que para os Estados Unidos.

SV: Em 2024, o Brasil bateu US$ 40 bilhões em exportações para os EUA. O que esperar de 2025?

UR: O Brasil é um dos poucos países que contam com um imposto como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), enquanto a maioria incentiva a produção industrial para aumentar a competitividade. O excesso de tributação, somado à baixa produtividade e ao atraso tecnológico, torna a indústria brasileira pouco competitiva. Além disso, o chamado "custo Brasil" - burocracia, ineficiência logística e alto custo operacional - agrava a situação. O país ainda prioriza o transporte rodoviário, um dos mais caros e ineficientes, em vez de ferrovias e transporte marítimo. Apesar das dificuldades, a indústria brasileira tem avançado, especialmente na produção de aço e alumínio, impulsionada pela desvalorização do real, que favoreceu as exportações. Em 2024, o Brasil exportou mais de 70 tipos de mercadorias desses setores para os EUA. No entanto, com o governo americano planejando aumentar tarifas em 15% sobre essas importações, a tendência é de queda nas exportações. Para manter competitividade, os produtos brasileiros teriam que ficar ainda mais baratos. Os EUA vão buscar fortalecer sua produção interna, dificultando o acesso de outros países ao seu mercado.

SV: Quais outros reflexos o Brasil pode esperar com o novo governo de Trump?

UR: Trump busca fortalecer a economia e indústria dos EUA, o que significa mais protecionismo e barreiras comerciais. A proximidade do Brasil com o BRICS (nome dado a um grupo de países emergentes que tem como objetivo a cooperação econômica e o desenvolvimento em conjunto) pode torná-lo um parceiro menos interessante para os EUA. Além disso, o presidente norte-americano pretende revitalizar a indústria nacional, dificultando a entrada de produtos estrangeiros.

SV: Como esse cenário impacta o varejo alimentar brasileiro?

UR: Todos esses fatores deverão aumentar os custos de produção. Equipamentos, máquinas, tecnologia, insumos, embalamento e transporte interno do agronegócio e do varejo alimentar serão impactados. A gente, como dizem, não "come dólar", mas o dólar está em tudo, em todos os processos, em todos os custos, em todas as negociações e transações. A partir do momento em que se tem menos acesso ou possibilidade de exportar para os Estados Unidos, há um aumento de custos para a produção nacional. E, obviamente, isso acabará tendo uma reação em cadeia, que começará nos insumos, irá para o transporte, que é influenciado pelo processo de fabricação e tecnológico. Tudo isso deverá aumentar os preços, diminuindo a competitividade e a produtividade, até chegar na parte final, que é o varejo, a ponta do iceberg.

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