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Varejo
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Por Redação
30 de junho de 2025

Supermercados do Nordeste: entre a cultura local e a praticidade do dia a dia

Valorização da diversidade dos estados, embalagens menores e supermercados como espaços sociais e culturais caracterizam o varejo alimentar nordestino

O varejo supermercadista brasileiro exige mais do que boas práticas, sendo também ser necessário usar inteligência territorial. “Cada região do país apresenta uma lógica própria de consumo, logística, gestão e expansão. Entender essas singularidades é o primeiro passo para atuar com assertividade e visão de longo prazo. No Nordeste, por exemplo, a proximidade com o território e a valorização da cultura local tornam o relacionamento mais relevante do que a automação”, observa Roberto Kanter, professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV).

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De acordo com Kanter, o maior símbolo da força regional que se nacionaliza é o Grupo Mateus, nascido no Maranhão. Com um crescimento exponencial nos últimos anos, a rede já está presente em mais de 100 cidades, rompendo as fronteiras não só do Nordeste, mas também do Norte e ainda ganhando mercado no Centro-Oeste e Sudeste por meio do seu braço de atacarejo, o Mix Mateus. “É um caso exemplar de como uma marca regional bem estruturada, com governança sólida e forte inteligência de expansão, consegue escalar mantendo suas raízes”, diz.

Foco na comunicação com os clientes

Segundo Sandro Oliveira, vice-presidente de operações, comercial e logística do Grupo Mateus, na verdade o Nordeste conta com supermercados que se assemelham aos encontrados em todo o Brasil. “O que realmente muda é que a gente precisa se comunicar com as pessoas, com a população, com os nossos clientes, da maneira como eles se sintam bem, respeitando a regionalidade. Então, nossas lojas têm que ter características regionais, com uma comunicação muito voltada para aquilo que os nossos clientes esperam”, avisa.

O executivo diz que, mesmo o Nordeste sendo uma região imensa, ela tem uma diversidade gigantesca e é preciso, inclusive, se adaptar ou adaptar as lojas a cada estado, a cada cidade, de modo que o cliente se sinta bem em cada uma das unidades. “É importante lembrar que o Nordeste é uma das regiões com a menor renda per capita do país. Naturalmente, o mix característico tem muito a ver com o tamanho das embalagens. Normalmente, enquanto em algumas regiões do país a gente consome detergentes em pó de 1 quilo, aqui a gente comercializa detergente em pó de 200 gramas”, exemplifica.

A adaptação à realidade econômica de boa parte da população também faz com que os supermercados ofereçam produtos a granel, kits promocionais e marcas próprias.

Em relação aos hábitos de consumo regionais, o destaque vai para o flocão - alimento derivado do milho que passa por um processo de laminação e pré-cozimento resultando em flocos macios e versáteis, já que podem ser utilizados em receitas como cuscuz, bolos e farofas.

O arroz parbolizado também é muito forte em boa parte do Nordeste, com exceção de Ceará, Piauí e Maranhão, que consomem um pouco mais de arroz branco. Outros alimentos emblemáticos são a carne de sol, o charque, a farinha de mandioca, o cuscuz, o queijo coalho, tapioca, feijão verde e as frutas típicas.

Nas bebidas, a cachaça artesanal tem muita procura, bem como sucos naturais de frutas regionais. A água de coco é um clássico, além das cervejas populares, principalmente aquelas bem geladas para o consumo imediato, já que o calor é constante. “Aqui a hortifrúti fica parecendo uma minifeira, com bancadas de madeira ou pallets, para lembrar a feira de rua. A seção de açougue também é muito importante, com bancadas refrigeradas abertas, como se fosse um balcão de cozinha. Muitas vezes tem degustadores oferendo algo para provar. E quando chega época de festa junina, bandeirolas e enfeites coloridos invadem a loja inteira, criando clima que pouca gente vê em outros estados, além de ações que criam um movimento na loja”, observa Eugênio Medeiros, diretor Executivo da RedeMAIS Supermercados, do Rio Grande do Norte.

Vínculo com cliente e espaço social

Na opinião de Raimundo Barreto de Sousa, presidente da ASA (Associação de Supermercados de Alagoas), os supermercados do Nordeste são únicos pela forma como conseguem mesclar tradição e modernidade. “A gente valoriza muito os produtos regionais e o atendimento próximo, mais caloroso, típico do nordestino. O cliente quer se sentir em casa, quer ser chamado pelo nome, conversar sobre a família. Esse vínculo humano é muito forte e é um dos principais diferenciais daqui”, explica.

Ele fala que, principalmente em Alagoas, nota-se uma crescente por aberturas de restaurantes e cafeterias dentro das lojas de supermercados, primando por comidas típicas, mas também com culinaristas renomados que dispõem um menu muito variado.

O mix é muito marcado por produtos regionais. “Também trabalhamos com temperos típicos e produtos para preparo de pratos tradicionais. Além disso, as lojas sempre têm espaço para produtos locais, de cooperativas e agricultura familiar”, pontua Sousa. O setor de regionalismos (com farinhas, castanhas, queijos e carnes salgadas) costuma ter área própria com comunicação visual temática.

A preocupação com o layout das lojas também envolve o apreço pela regionalidade. “Temos algumas características próprias”, destaca Sousa. “Como o cliente gosta de comprar frutas, verduras e legumes frescos, geralmente os supermercados têm uma área de hortifrúti bem ampla e destacada, logo na entrada ou próxima dela. Também investimos em açougues com atendimento personalizado, pois muitos clientes preferem cortes específicos. A padaria também vem se destacando nas nossas lojas e ocupa espaços importantes, geralmente próximos à entrada ou ao fundo, para atrair o cliente a percorrer toda a loja. Muitos supermercados daqui criam uma ilha ou gôndola exclusiva para produtos típicos nordestinos. Esse espaço é valorizado tanto por moradores locais quanto por turistas”, diz.

Outra característica que vale a pena ser mencionada é que o supermercado, no Nordeste, também um espaço social e cultural. “Alguns supermercados locais apostam em temas regionais na decoração e comunicação interna, como cores quentes e elementos gráficos ligados à cultura nordestina como xilogravura, sanfona, e cordel”, descreve Gilvan Mikelyson, presidente da ASSURN (Associação dos Supermercados do Rio Grande do Norte). Ele cita ainda a presença de música ambiente com forró pé de serra, especialmente em datas como São João, e decoração especial em épocas festivas, com bandeirolas, palha e barracas típicas. “Esses detalhes criam uma experiência de compra com identidade regional, algo que fideliza o cliente e reforça o sentimento de pertencimento”, comenta.

Para Pedro Medeiros, gerente Executivo de Expansão e Marketing do Grupo Nordestão, o diferencial dos supermercados do Nordeste está na capacidade de unir tradição e inovação com sensibilidade e inteligência comercial. “Por isso, nosso mix é pensado com estratégia e parcerias comerciais: reunimos grandes marcas nacionais e internacionais, sem jamais perder de vista a força e o valor dos produtos locais, que carregam o sabor, a cultura e a identidade da nossa terra”, afirma.

Um exemplo disso é o Cantinho da Gente, uma seção exclusiva nas lojas da bandeira varejista dedicada a valorizar os pequenos produtores da região. Nele, o cliente encontra alimentos que expressam a qualidade do que é feito aqui e que ajudam a fortalecer a economia local. O Grupo Nordestão tem mais de 50 histórias, com unidades no Rio Grande do Norte e Paraíba, e planeja abrir mais dez lojas até 2027.

Hábitos de compra

A compra presencial ainda é a mais comum, especialmente pelo hábito do nordestino de escolher pessoalmente os produtos frescos, como frutas, verduras e carnes. Muita gente ainda faz aquela compra "de semana" ou "de quinzena", mas também aumentou bastante o consumo de pequenas compras diárias, principalmente de alimentos frescos. “O nordestino, via de regra, visita muito as lojas físicas. Obviamente, o delivery e a compra por e-commerce têm subido muito, mas nós temos lojas que fazem mais de 120, 130 mil operações com visitas dos nossos clientes”, conta Sandro.

O delivery está crescendo, especialmente depois da pandemia, mas ainda não é tão forte como nas grandes capitais do Sudeste. “Por aqui, o cliente gosta de ir ao supermercado, conversar, olhar as ofertas e aproveitar para resolver outras coisas”, informa Sousa, que aponta que os meios de pagamentos mais adotados são o cartão de crédito e débito. “E o PIX, claro, que teve uma adesão muito rápida e forte aqui”, afirma.

O consumidor nordestino é muito atento ao preço, gosta de promoções e valoriza programas de fidelidade. Ao mesmo tempo, ele dá muita importância à qualidade dos produtos, principalmente dos alimentos frescos. Outra característica é que o cliente valoriza bastante os produtos regionais, gosta de consumir o que é "da terra" e dá preferência para marcas locais. Além disso, o consumo coletivo é muito forte: a compra muitas vezes é pensada para a família toda.

Desafios

Um dos principais desafios do varejo alimentar do Nordeste, no momento, é lidar com a alta nos custos logísticos, já que muitos produtos vêm de outras regiões do Brasil ou do exterior e o frete acaba sendo mais caro. “Além disso, a concorrência com atacarejos cresceu muito, forçando os supermercados a se reinventarem com novos serviços, mais qualidade e experiências diferenciadas”, explica Sousa.

O presidente da ASAS indica a modernização com outro desafio em enfrentamento. "Precisamos acompanhar as tendências de digitalização, como e-commerce, apps de ofertas e delivery, mas ainda enfrentamos limitações estruturais e culturais. Por fim, o poder de compra da população é um fator de atenção, pois oscila bastante com a economia local”, ressalta.

Já Mikelyson, da ASSURN, lembra que o Nordeste é uma região marcada por contrastes econômicos e sociais. Os supermercados aprenderam a se adaptar com criatividade, buscando sempre soluções acessíveis, como promoções semanais, embalagens fracionadas e marcas próprias, para atender às diversas faixas de renda da população. “Superamos desafios como seca, logística difícil em algumas áreas e oscilações econômicas com muito trabalho, inovação e parceria entre o setor público e privado. Isso fortalece o setor supermercadista como um pilar essencial para o abastecimento e a segurança alimentar da população”, salienta.

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